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Mostrando postagens de 2024

Capítulo 241 - A promessa

Ao som de uma música sacra que ressoava em uma pequena caixa de som ao fundo, Benedita satisfatoriamente olhava para a mesa rústica de madeira parcialmente posta na varanda de sua casa. A família de Benê, composta de somente três pessoas, utilizava essa mesa apenas em ocasiões especiais, optando por realizar as suas refeições diárias na mesa quadrada de pés de metal e tampo de fórmica que ficava na cozinha. Essa era uma ocasião especial. Tão especialíssima que fora necessário mover a mesa da sala de jantar para a varanda, para garantir um maior conforto de todos os convidados.        Isso só foi possível graças às inúmeras orações de Benedita, que pediu, suplicou, prometeu para que a chuva torrencial da noite anterior cessasse e a família pudesse comemorar e se despedir debaixo de sol. Não deu outra. Amanhecera um céu limpo, azul e deslumbrante. Um dia abençoado, pensou Benedita, as fotos vão ficar lindas. Nada poderia estragar esse momento, tão desejado e plane...

Capítulo 240 - Acho que participei da reunião de uma seita...

Para quem não me conhece mais a fundo, aviso logo que existem dois assuntos que me fascinam: seitas e drogas psicodélicas. Devoro absolutamente todos os documentários que aparecem na minha frente que tratam sobre essas temáticas. Acho que meu interesse por seitas aflorou depois que eu entendi os mecanismos de manipulação psicológica pelos quais eu passei quando estive num relacionamento abusivo. Eu não sou psicóloga, socióloga, ou nada disso para afirmar o que estou afirmando; mas do meu ponto de vista de uma vítima, eu percebi quem as ferramentas que um líder de uma seita utiliza são extremamente parecidas com aquelas de um abusador. E vou mais longe: seitas são fundadas em abuso psicológico e mental. Logo, eu criei uma empatia real com as vítimas de seita e fico deslumbrada com as manobras mentais que nossos cérebros são capazes de fazer para justificar as coisas mais tenebrosas (como jogar um bebê de dias de vida numa fogueira - exemplo real).  Quanto às drogas psicodélicas, foi...

Capítulo 239 - Vivíssima, graças a Deus

Eram pouco mais de seis da tarde quando Célia adentrou seu lar. No canto da única sala do pequeno apartamento, um singelo altar sustentava a imagem de Nossa Senhora Aparecida escavada em pedra-sabão e um rosário entalhado em madeira. Acima do altar, a imagem de Cristo crucificado; abaixo, uma almofada de veludo de cor azul turquesa, onde se ajoelhava todas as manhãs para agradecer ter acordado mais um dia e ainda ter vida. Apesar de Célia ter menos de sessenta anos e gozar de plena saúde, cumprira esse ritual religiosamente todos os dias. Após a morte repentina de seu esposo, Lúcio Heleno, de infarto aos quarenta e três anos, o ritual se intensificara. Agora ela agradecia de manhã e à noite, quando saía de casa e, também, quando retornava. Olhou para a santa, olhou para Cristo e agradeceu. Retirou os sapatos. Fechou todas as cortinas da sala e do quarto e se preparou para tomar banho. Tal qual o agradecimento às suas entidades, o ato de fechar as cortinas ao final do dia também se inst...

Capítulo 238 - Por dentro de cada um, há dores e mistérios

Sentado no banco da área externa do seu trabalho, abaixo de uma amoreira ainda sem frutos, Amadeu segurava um sanduíche integral de frango já parcialmente devorado com a mão direita e respondia mensagens de texto no celular com a esquerda, quando um trovão o situou novamente no momento presente. Só com o rugir de Zeus percebeu que, apesar de terem se passado vários minutos de meio-dia, o céu estava escuro, armando um temporal daqueles que sabia que lhe trariam problemas para voltar para casa. Era por esse e outros motivos que Amadeu preferia o turno noturno: o trabalho era mais movimentado, mas, pelo menos, evitava a hora do rush.  Aceitara trocar de turno com Olavo já havia quase um mês. Era aniversário de cinco anos de casamento de seu colega, que levaria sua esposa para um almoço especial num restaurante chique com um lindo jardim. Se soubesse que São Pedro estava planejando um dilúvio para esse dia, Amadeu não teria aceitado a troca. Mas se o temporal fosse de conhecimento públ...

Capítulo 237 - O Fantástico Mundo da Realidade

Era uma manhã inacreditavelmente fresca de uma quinta-feira de dezembro quando Percival, ainda deitado na sua cama, pegou o celular. Sabia que esse era um hábito que deveria mudar. Ninguém pode começar o dia trabalhando ainda deitado, sem escovar os dentes, tirar as remelas dos olhos e tomar pelo menos uma xícara de café. E apesar de nos últimos dias ele ter conseguido segurar essa urgência até o momento de outra urgência no banheiro, hoje parecia que algo o chamava de dentro daquele aparelho. E não eram as notificações, pois ele as havia desativado todas. Era algo grande, que iria mudar sua vida. O símbolo da cartinha fechada na barra superior da tela indicava a presença de um e-mail não lido. Mas não era isso, isso não era novidade. Ele recebia mensagens e solicitações dos clientes todos os dias fora do horário de expediente. Jamais pensara que trabalhar com venda de mudas de suculentas o traria clientes tão fervorosamente ansiosos. Contudo, o trouxe, principalmente depois da hashtag...