Capítulo 240 - Acho que participei da reunião de uma seita...
Para quem não me conhece mais a fundo, aviso logo que existem dois assuntos que me fascinam: seitas e drogas psicodélicas. Devoro absolutamente todos os documentários que aparecem na minha frente que tratam sobre essas temáticas.
Acho que meu interesse por seitas aflorou depois que eu entendi os mecanismos de manipulação psicológica pelos quais eu passei quando estive num relacionamento abusivo. Eu não sou psicóloga, socióloga, ou nada disso para afirmar o que estou afirmando; mas do meu ponto de vista de uma vítima, eu percebi quem as ferramentas que um líder de uma seita utiliza são extremamente parecidas com aquelas de um abusador. E vou mais longe: seitas são fundadas em abuso psicológico e mental. Logo, eu criei uma empatia real com as vítimas de seita e fico deslumbrada com as manobras mentais que nossos cérebros são capazes de fazer para justificar as coisas mais tenebrosas (como jogar um bebê de dias de vida numa fogueira - exemplo real).
Quanto às drogas psicodélicas, foi com o documentário da Netflix do Michael Pollan - Como mudar sua mente, que o interesse emergiu. Nele descobri que o uso terapêutico de drogas psicodélicas já era estudado desde 1950 e só foi proibido por conta do movimento new age de 1970, que estava despertando nos jovens uma racionalidade de questionar decisões do governo como a Guerra do Vietnã. E eu, como sou uma pessoa com ansiedade e uma depressãozinha que não sai de cima do meu ombro, comecei a me interessar nessa finalidade.
Foi aí então que eu decidi ser uma boa ideia tomar chá de ayahuasca. Já desde antes da pandemia eu ouvia relatos de pessoas que tinham tomado o chá e aquilo tinha dado um reset no cérebro, que a depressão nunca mais tinha voltado, tiveram grandes epifanias e ainda havia de bônus a sensação de uno com a natureza. Fantástico. Aqui no Brasil, o consumo de ayahuasca é regulamentado: você pode consumir, se for para fins religiosos. Logo, eu fui atrás de uma religião onde eu pudesse experimentar legalmente.
Então eu encontrei essa religião, que se denomina cristã e é bastante organizada. Não, não vou falar aqui qual a religião que eu fui. Primeiro, porque não quero enfrentar nenhum processo. Segundo, porque, apesar de eu ter ressalvas extremas sobre o que acontece nas sessões de chá, eles abriram as portas da casa deles para mim e me receberam muito bem.
Nesse secto, eles determinam um ou dois dias por ano para abrir a casa para pessoas iniciantes. Antes de você ir ao local e beber o chá, você precisa passar por uma entrevista com o mestre, onde ele te pergunta sobre o seu objetivo ao tomar o chá, histórico familiar de transtornos mentais, uso prévio e atual de drogas/fármacos e te orienta sobre os cuidados e riscos. Eu achei isso de uma responsabilidade extrema. Se você tem histórico de esquizofrenia na família ou se faz uso de determinados remédios, você não deve tomar o chá, pois pode desencadear surtos psicóticos graves. Ponto para eles.
Chegou o dia da sessão e eu fui. E fui preparada para vomitar a tarde toda. Aliás, diversos relatos que eu tinha lido e ouvido falavam sobre o chá desencadear uma reação de vômito. Uma das coisas que eu mais detesto na vida é vomitar, mas minha vontade de mudar a minha vida era tanta que passei por cima desse inconveniente. Também fui acompanhada do meu marido. Ele não quis participar da sessão, mas só de saber que ele estaria na sala ao lado, já me fez sentir mais segura.
A sessão começou com o mestre servindo o chá para cada um. Todos bebemos ao mesmo tempo e sentamos. Ouvimos a leitura de documentos importantes para a religião. Entoaram alguns cânticos para invocar o poder do chá e depois colocaram uma musica calma num alto-falante. Lá para o meio da sessão, o mestre passou de cadeira em cadeira perguntando aos presentes se o chá já tinha feito seu efeito. Indisfarçadamente, as respostas dos frequentadores assíduos eram todas padronizadas. Até aí, tudo bem. O próprio catolicismo é feito de rituais de perguntas e respostas prontas.
Mais cânticos, mais músicas e começou a sessão de perguntas. Como os iniciantes estavam ou muito tímidos ou muito absortos na experiência (meu caso), não perguntaram nada; então os próprios membros da religião passaram a fazer perguntas. Confesso que achei essa parte muito vergonha alheia, pois eram perguntas feitas para nós sabermos as respostas e não quem estava perguntando, que já tinha para lá de 5 anos de prática. Achei meio bobo.
Então a onda começou a vir e foi uma experiência ótima. Comecei vendo obras de Van Gogh nas janelas, passei por cenários da minha infância, relembrei a praia que eu frequentava quando criança, vi muitos campos floridos, imagens felizes e alegres. E eu não vomitei nadinha. Além disso, na semana seguinte, eu resolvi uma pá de pendências na minha vida profissional: finalizei projetos, encerrei parcerias que não estavam dando mais certo. Foi um tanto de ponto final que estavam precisando ser colocados. Mas... nenhum reset no cérebro, nenhuma sensação de uno com a natureza, nenhuma grande epifania.
Os relatos de quem já praticava a religião há anos eram todos ótimos, com mudanças para hábitos positivos, abandono de vícios (cientificamente comprovado com outros psicodélicos), maior autoconhecimento, etc. Decidi voltar uma segunda vez. Só que aí eu já não era mais iniciante, então fui em uma sessão comum. Essa sessão foi à noite, meu marido não pode me acompanhar e ainda foi ministrada por um mestre de outra unidade que estava visitando.
Uma coisa bastante relatada é que o efeito de drogas psicodélicas (se você terá uma good trip ou uma bad trip) está intimamente ligado ao contexto onde você usou essa droga: local, música, pessoas a sua volta, assuntos tratados. E acho que algumas coisas que ouvi dessas pessoas antes do início da sessão e do próprio mestre convidado durante a sessão me desencadearam uma reação negativa. Alguns dos diálogos foram:
— Seu marido não veio dessa vez?
— Não pode vir.
— Traz ele para tomar o chá um dia...
— Já convidei, ele não tem interesse.
— Aaaah, mas isso vai mudar. Ele vai perceber o quanto que o chá está te fazendo bem e vai se juntar a nós.
Profecia ou ameaça? Comecei a reparar como quase todo mundo ali estava em casal. Ou um levou o outro para a religião, ou casais se formaram ali dentro. Não é possível conviver com a diversidade de pensamentos? Outro:
— Você fuma?
— Não.
— Bebe?
— Muito de vez em quando.
— Com o tempo você vai ver que álcool não é coisa de Deus e vai parar.
Espera aí. Tomar DMT pode. Beber uma cervejinha no final de semana não pode? Ah, o efeito é diferente? E ácido, pode? Cogumelo, pode? Como que faz essa distinção do que é sagrado e o que não é? O que te conecta com Deus e o que te conecta com o sombrio?
Vomitei a noite inteira. Não consegui esperar nem o término da leitura dos documentos. "Você está fazendo uma limpeza", me diziam os membros enquanto eu colocava meus bofes para fora no jardim do centro. Crença que eu respeito, mas pessoalmente acho uma grande bobagem. Nem tudo no corpo é reação espiritual, psicológica. Às vezes você só colocou para dentro uma quantidade de plantas com poder intoxicante e seu corpo quer que você se livre daquilo.
Na sessão de perguntas, questionaram o motivo das cores oficiais das vestes canônicas dos membros mais importantes. O mestre convidado não soube responder. Simplesmente disse que não queria responder aquilo naquele momento. Após a onda começar a baixar, perguntaram novamente. Ele disse que tinha passado o momento de responder (???) MAS que ele tinha lido a respeito do significado das cores e o significado era bem bonito. Inclusive, o arco-íris tinha um significado lindo, apesar de ser usado para essas coisas horríveis de hoje em dia.
Alerta homofobia. Nesse momento, eu, que já tinha reparado que a imagem de perfil de whatsapp do mestre era um cavaleiro templário com as cores do Brasil, me liguei que aquele era um ambiente conservador e insalubre. O que de novo me gerou um estranhamento absurdo. Que manobra mental essas pessoas com perfil conservador fizeram para justificar tomar uma droga alucinógena duas vezes por mês em nome de Deus e não perceber a hipocrisia de proibir todo o restante?
Só não me levantei e fui embora no mesmo momento, pois estava sob efeito do chá. Iria ter que esperar acabar o efeito para poder dirigir de volta para casa numa estrada de chão às 2h00 da manhã.
Se não já estivesse convencida de que não pisaria mais ali, após a sessão, quando todos estávamos aproveitando comes e bebes, ouvi membros do alto escalão falando que não viam motivo em ler livros que não fossem da doutrina, pois não acrescentavam em nada. Peguei a menina mais simpática do grupo, dei um livro meu na esperança de que abrisse os olhos dela e me recolhi. Aguardei pacientemente o momento de ir embora. Cheguei em casa, escovei os dentes e dormi.
A epifania foi a certeza de que nunca mais piso num centro desses.
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