Capítulo 219 - Meu problema com a poesia
Não me interprete mal. Eu gosto de poesia. Eu queria conseguir escrever mais poeticamente, tocar as pessoas nos seus sentimentos mais profundos, descrever as ações como uma linda canção de Jobim, uma melodia que vai e volta, que sobe e desce e nos envolve na batida e na emoção. Queria conseguir fazer aquelas analogias fantásticas que fazem o leitor engolir seco ou verter uma lágrima e, lá no fundo, pensar que queria ser um pouco como eu, ter um pouco desse dom.
Só tem um problema com tudo isso: eu não gosto de rimar. Sei que a poesia não é só rima; sei que é métrica, que é cadência, que é beleza expressa em palavras. Mas como não domino nenhuma dessas artes, sinto que fica faltando alguma coisa nas minhas poesias que não rimam. E eu já sei o que falta: é a rima.
Não me apedrejem, mas eu acho a rima muitas vezes cafona e, por vezes, infantil. Você precisa ter um domínio gigantesco do seu vocabulário para fazer uma rima inusitada e bela. Senão corre o risco de você rimar “amar” com “sonhar”, com “desejar” com “cuidar”. Rimar dois verbos do mesmo grupo no infinitivo é fácil e qualquer criança da quarta-série faz. Quero ver você rimar “amar” com “sofrer”.
Alguns autores nem disfarçam a falta de léxico e rimam a palavra com ela própria, como o Chorão do Charlie Brown Jr. rimando "Yeah" com "Yeah" e depois com “Yeah” e “Yeah” de novo em Vou Te Levar. Outros autores, para não cair no primeiro nem segundo exemplos, recorrem à famigerada forçação de barra. Utilizam palavras rebuscadas cujos significados ninguém conhece ou colocam no meio do texto frases que simplesmente não se encaixam com o restante. “Deixa eu pintar o meu nariz”, disse Marcelo Camelo em Todo Carnaval tem seu Fim, logo após afirmar que “Todo dia ainda de pé o Zé dorme acordado”, destruindo a poesia tão elegantemente escrita até aquela frase.
Tudo isso por que? Por conta da rima. Não adianta, a rima não me desce. Meu sonho é viver num mundo onde não fôssemos de fato obrigados a nada. Um mundo onde não precisássemos trabalhar oito horas por dia, nem convidar a tia que você nem gosta para o seu casamento, nem mesmo a rimar para poder chamar seu texto de poesia.
Droga, rimei.
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